sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Mil vezes boa noite

Era dia de arrumação, Luís subiu ao sótão e, inesperadamente, encontrou um sonho esquecido. Estava guardado em uma caixa velha, junto com algumas fotos, as roupas que ficaram apertadas e fitas do senhor do Bonfim.

Estava ali, empoeirado, antiquado, mas em perfeito estado, como era naqueles dias em que havia tempo para sonhar e vida para concretizar. Os dias modificaram seu criador, mas o sonho, protegido pelo esquecimento, estava intacto.

Chorou. Lembrou-se, também, da fita que não esperou arrebentar e culpou-a pelo sonho não concretizado. Culpou quem lhe acompanhava. Culpou a escola, a faculdade, o curso, a empresa, o tempo...Culpou o mundo, culpou Deus. De tanto apontar o dedo, já não conseguia mais erguer os braços.

Por fim decidiu olhar para o alto e perguntar por que, qual seria o erro? Mas já era tarde, sem perceber, gastou muito tempo buscando culpados, o céu já trazia o manto negro da noite e Luis não poderia mais ser visto. Não há reflexo na escuridão.

Por alguns anos ficou ali, parado, no sótão, esperando que alguém dissesse o que só ele poderia saber, sustentado pela conveniência da covardia.


sábado, 24 de outubro de 2015

O jovem e o tempo

Certa vez o jovem, já nem tão jovem assim, lembrou-se de um cheiro, um beijo, uma voz; lembrou-se de um tempo há muito já vivido, que guardava consigo com muito carinho, junto a suas recordações mais dóceis. Sorriu  lembrando-se do menino que certa vez seguiu, de mãos dadas e coração quente, por aquele mesmo caminho.

Naqueles dias, a inocência da juventude não lhe permitiu prever que a insuperável força do tempo levaria consigo a intensidade da adolescência e a embriaguez de um novo amor. Gradualmente os beijos se tornaram cumprimentos, os abraços, despedidas e os olhares, o início e o fim de todos os contatos.

Acreditou que faria do desejo sua rotina e dos céus de baunilha sua morada. Não contou as manhãs de contemplação, nem as noites de verão, pensou que fossem intermináveis. A risada fácil e as lágrimas de carinho inverteram-se.

O tempo exigia uma maturidade que não poderia oferecer. Não era culpa dele, ou dela, era uma consequencia inafastável de um jovem amor, que não soube dosar as próprias expectativas.

Por um momento perceberam que não caminhavam mais sobre as nuvens, a vida terrena trazia novos sentimentos e obrigações. O tempo, velho tempo, fez com que aprendessem novos idiomas, vestissem novos trajes e, quando queriam, novas máscaras. Até que um dia estranharam o guarda-roupas, em outro, perceberam que não falavam mais a mesma língua e, por fim, perderam-se.

Outros amores viriam, nem tão velhos, mas, sem dúvida, nunca tão jovens.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Votos

Quase três meses se passaram e só hoje pude ver as fotos do casamento daquela que no sangue é minha tia, no papel é minha madrinha, mas na vida sempre foi minha irmã mais velha; a pessoa que sempre me deu a liberdade para brincar e fazer piadas com seus erros, mas sempre teve todo o carinho e cuidado para apontar os meus e mostrar a forma de melhorar.

Meus dias sempre foram seus, não por que eu quisesse ou me esforçasse para isso, mais que isso, você sempre fez parte deles. É muito estranho como uma linha reta pode ser tão tortuosa. Em cada passo que dei até te levar ao altar não pude lembrar de uma história importante da minha vida da qual você não tenha sido parte, e pude constatar o quanto você foi fundamental para formar quem sou hoje.

Cresci vendo você torcer e comemorar por minhas vitórias e aprendi a fazer o mesmo com as suas. Acredito que de tanto viver sentimentos compartilhados deixei de simplesmente comemorar suas realizações e passei a vivê-las como se fossem minhas. Esse foi um desses dias, o sorriso que você trazia em seu rosto era o mesmo que o meu, pude sentir a realização de um sonho com o qual convivi por tanto tempo.

Essa noite você está um pouco mais distante. Segue um novo caminho, iniciou uma nova fase. Hoje não posso bater na parede e esperar que você responda, nossos quartos não estão mais um ao lado do outro. Não ligo, sei que essa noite você está feliz e, por isso, eu não poderia estar mais feliz.

Desejo a vocês todo amor, companheirismo, cumplicidade e carinho, tenho certeza que escreverão uma belíssima história juntos. 

Te amo

sábado, 11 de abril de 2015

No passado

Despedidas, sentenciou o médico. Os sintomas apresentados eram claros: a dor no peito, desolação, saudade. Ela sofria de despedidas. Não há tratamento, disse, deverá lidar com isso por toda sua vida, em alguns momentos será mais forte, em outros mais branda, mas sempre estará lá, você deverá aprender a controlá-la.

Não havia motivo para reclamar, só sofre de despedidas quem viveu algo bom. Os imunes reclamam por nunca terem vivido algo que valesse o sofrimento de uma perda. Ainda assim ela voltou para casa consternada, não era aquilo que queria ouvir. Aliás, nada que ouvia ultimamente lhe agradava.

Estava triste de verdade, contudo, naquele momento queria estar triste. Na verdade, não queria, mas não conseguia deixar de se sentir assim. Por fim, concluiu que não sabia o que queria ou se queria algo, a verdade era que não conhecia sua própria verdade, e em meio a tanta indecisão passou a viver de mentira, sorrir de mentira, e chorar de verdade.

Não sabia o que fazer, então decidiu que a melhor alternativa para curar seu sofrimento seria mudar-se para seu mundo metafisico e lá construir sua própria casinha de papel. Mudou-se em um dia ensolarado, tudo parecia perfeito e bem estruturado, trazia certeza de um futuro ideal. Porém, como em toda história, veio o primeiro dia de chuva, para fugir das gotas ela decidiu ficar sentada dentro de sua casinha; observando o teto e as paredes se encolherem vagarosamente até começarem a envolver seu corpo.

A estrutura era muito leve, ela poderia simplesmente levantar-se, limpar o corpo e seguir seu caminho, mas achou que não poderia, afinal, um dia lhe contaram que sofria de despedidas, seria fraca demais para resolver isso sozinha, preferiu ficar sentada observando tudo desabar a sua volta, e aguardar que alguém viesse ajudar.

O tempo passou, a chuva parou, as paredes de papel secaram e endureceram a seu redor; ela se tornou uma lembrança em um atemporal mundo metafísico, perdido em algum ponto de sua linha do tempo.

domingo, 8 de março de 2015

Só por hoje

Gostaria de escrever um belo poema; belos versos com rimas ricas e raras.
Um texto que toque, seja lembrado, citado.
Ser reconhecido como autor de renome.
Falar de minhas obras, meus pensamentos, desejos em grandes palestras

Gostaria de trocar a metalinguagem pela função emotiva.
Mandar, indicar, escrever, escrever escrever; e ser lido.
Conseguir diversas publicações, ser disputado por editoras.
Ser relido, diversas vezes, até o livro corar e ganhar orelhas.

Mas hoje não, acordei cansado demais de querer ser alguém.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Acorda, moleque!

Não era dia de narrar, não se narra o que não vive, muito menos se vive de projetar, era o dia de falar de mim, falar comigo, com aquele que fui um dia, e gostaria de voltar a ser; aquele menininho que queria ser muitas coisas, que carregava inúmeros sonhos; aquele moleque que sempre foi enorme dentro de si, o suficiente para abraçar seus desejos e tê-los como um futuro certo.

Em que momento larguei a certeza do sonho, quando o objetivo se tornou um mito e o desejo se tornou lenda?

Quando deixei de ser tão fiel às próprias certezas; por que os sonhos de criança vão perdendo sua concretude ao longo da vida e passam a ser tão distantes? Nunca confiei tanto em mim como fazia quando mais jovem, em que momento me perdi daquele menino?

Cheguei ao ponto de rir ao recordar alguns sonhos que tive quando pequeno. Hoje me pergunto: Quem ou o que me deu o direito de desacreditar daquele garoto? Talvez por ser esquecido o menino optou por desaparecer, deixando que me tornasse um adulto tão cinzento.

Nos últimos tempos tenho voltado a ser garoto, voltado a acreditar no que parece inalcançável, deixado de lado algumas certezas e pequenas conquistas para buscar sonhos maiores. Tenho voltado a admitir que tenho medos e frustrações, mas que posso enfrentá-los, pois em mim, lá dentro, esse garoto ainda é jovem demais pra desistir de qualquer sonho.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Ponto de Partida


Pé ante pé
pela beirada do parapeito
Patrícia precipitava seu prestigio
preferiu piorar o pouco que possuía
privava-se de pedidos pequenos
padeceu ao procurar progredir em patrimônio,
permaneceu perfazendo uma pretensão psicótica
por não permitir perder, perdeu-se
pendeu ao precipício
pouco pudor para punhados de pavor
palpou a paz ao pular
prantos e preces...
pairou
permaneceu em paz
Por que, Patrícia?
perguntavam e perguntavam
parece que precisavam perceber
Patrícia pulverizou a penitência de permanecer perenemente em pânico
partindo, Transcendeu.
Pra que perfeição?
Patrícia